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Na data da mais que merecida consciencialização para as questões inerentes à Trissomia 21, permitam-me direcionar o texto para mim. Faço-o, não por procura de atenção, muito menos por ego. Faço-o pelo contrário, por emotiva homenagem. Faço-o na tentativa de oferecer uma visão do “outro lado da barricada”, na esperança que seja algo diferente do habitual. E não é de diferenças que se constitui, também, a vida?

De forma incauta entrei no mundo da deficiência intelectual e da incapacidade. Olhando para esse inicio, afirmo agora que do tema nada sabia. No curso de Psicologia não havia nenhuma disciplina que abordasse a temática, muito menos a especificidade de cada síndrome ou diagnóstico diferencial. Curiosamente e de modo algo contraditório à lógica da formação académica, tendo sido “forçado” a aprender já em exercício de funções, o meu olhar profissional nunca descolou do essencial primário. Todas as pessoas são pessoas. Mais além: todos nós somos um universo dentro de um corpo. Uma singularidade unitária, que interage de dentro para fora, dando e recebendo.

E como tenho recebido…

Na minha profissão aprendi a exercer o respeito pelo outro, a integridade nas ações e palavras, a responsabilidade do potencial raio de ação pelo que se faz, na relação e comunicação com alguém. E, claro, essa responsabilidade é tanto maior quanto maiores forem as necessidades do interlocutor.

E nas pessoas com diagnóstico de trissomia 21, que necessidades são essas? Não existe uma resposta que encaixe em todas, assim como há resposta que não falha. Voltamos ao primário da questão: quais são as necessidades das pessoas? Sermos amados. Talvez nada resuma melhor tudo aquilo de que necessitamos.

Durante a minha caminhada profissional de mais de 20 anos, muitos foram os dias em que encontrei conforto para os meus problemas, num abraço apertado de outra pessoa. Que, só por acaso genético, poderia ter trissomia 21.

Na verdade, quase que consigo afirmar sem erro que todas as pessoas com trissomia 21 que conheci e conheço estão dispostas a tal. A dar, sem esperar receber de volta. A confortar e a aceitar os outros, independentemente de quem são ou de onde vêm. Tenho-as como genuínas nas suas ações e palavras, sem artifícios complexos que muitas vezes escondem quem somos ou o que realmente pretendemos. E ser e viver assim o mundo, não é fácil. De todo. Fragiliza-nos e expõe-nos, colocando-nos numa situação de vulnerabilidade. Logo, falamos de pessoas corajosas. Falamos de pessoas que me enchem os dias de exemplos a seguir, mostrando-me um mundo mais solidário e humanizado, oferecendo aos outros o que os outros realmente precisam. O que todos precisamos.

Para ti Vasco. Nunca te esquecerei. Nem sabes como me faltam os teus abraços.

Rui Duarte

Psicólogo Clínico e da Saúde

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