O sono é uma necessidade básica para a saúde física e psíquica do ser humano, sendo fundamental para a sobrevivência. Embora as funções do sono continuem a ser alvo de debate, sabe-se que o sono interfere com todos os tecidos e sistemas do nosso organismo. O sono de qualidade é essencial para manter um bom estado de funcionamento cerebral, com impacto muito significativo na capacidade de atenção, memória, aprendizagem e regulação emocional e desempenha importantes funções metabólicas, hormonais, imunológicas e cardiovasculares.
A privação de sono e/ou um sono não reparador têm efeitos a curto e a longo-prazo. A curto-prazo, as dificuldades de sono associam-se a alterações do humor e afeto (com irritabilidade ou birras e maior reatividade emocional), a alterações nas funções cognitivas (falta de atenção, dificuldade ou incapacidade na realização e conclusão de tarefas, diminuição da flexibilidade do pensamento e do raciocínio abstrato, perturbações de memória), alterações do comportamento (sonolência diurna, aumento da agressividade e da impulsividade/hiperatividade) e alterações da coordenação motora (com diminuição da destreza para os movimento e aumento do risco de lesões ou acidentes). Dificuldades de sono persistentes associam-se ao aumento do risco de várias perturbações mentais, nomeadamente Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção, Perturbação Depressiva, Ansiedade, bem como a um maior risco de excesso de peso, obesidade, hipertensão arterial e diabetes, entre outras doenças. É importante ter em atenção que muitas perturbações psiquiátricas cursam com alterações do sono, numa relação bidirecional em que o agravamento da doença tem impacto negativo no sono e vice-versa.
O sono é regulado pelo ritmo circadiano, ou seja, pelo nosso “relógio biológico”, localizado numa região do cérebro chamada hipotálamo, que reage a vários fatores internos e externos. Um dos fatores externos mais importantes para a regulação do sono é a luz do dia, que ao diminuir estimula a produção de uma hormona chamada melatonina. O ritmo circadiano evolui ao longo da vida. Por exemplo, ao nascimento, o ritmo circadiano ainda não está desenvolvido e o sono é regulado pela fome e distribui-se pelo dia e pela noite; durante a adolescência a produção de melatonina ocorre mais tardiamente do que na infância.
O tempo de sono diário varia ao longo da infância e da adolescência, conforme se pode ver na tabela:
Idade | Tempo recomendado |
0-3 meses | 14 a 17 horas |
4-11 meses | 12 a 15 horas |
1-2 anos | 11 a 14 horas |
3-5 anos | 10 a 13 horas |
6-13 anos | 9 a 11 horas |
14-17 anos | 8 a 10 horas |
18-25 anos | 7 a 9 horas |
Para garantir que o sono é adequado em quantidade e qualidade, é essencial desenvolver uma boa higiene de sono, ou seja, um conjunto de hábitos e rituais adequados à idade que permitem facilitar o início e a continuidade do sono. Veja as regras de higiene de sono que poderão ajudar o seu filho:
1 – Estabelecer horário regular da hora de deitar e levantar. Os horários devem ser regulares, mesmo nos fins-de-semana e nas férias, evitando variações superiores a 1 hora, de modo a reforçar o ciclo circadiano.
2 – Estabelecer rotinas para dormir. As rotinas para dormir consistem numa sequência de atividades agradáveis e tranquilas antes da hora de dormir, que permitem criar um ambiente previsível e facilitador do sono. Devem durar entre 25 a 40 minutos e incluir atividades como tomar banho, vestir o pijama, lavar os dentes, ouvir uma história ou ler um livro.
3 – Não ter fome ao deitar e não comer refeições pesadas 1-2 horas antes de deitar
4 – Evitar alimentos ou bebidas estimulantes várias horas antes de deitar. Várias bebidas (coca-cola, refrigerantes, chá, café) e alimentos (chocolate) contêm cafeína, que podem perturbar o sono se ingeridos depois da hora do lanche.
5 – Praticar atividade física durante o dia, mas evitar atividades vigorosas nas 2 horas antes de deitar. O exercício físico está associado a uma melhoria da qualidade do sono. No entanto, se for muito intenso e realizado próximo da hora de deitar cria um estado de alerta, que dificuldade o acto de adormecer.
6 – Criar um ambiente adequado para o sono: escuro, silencioso e com temperatura amena. A exposição à luz diminui a libertação de melatonina, atrasando o início do sono.
Próximo da hora de dormir, devem manter-se as luzes baixas e uma atmosfera silenciosa.
7 – Garantir exposição solar pela manhã, que ajuda na regulação do ciclo circadiano.
8 – Evitar utilização de dispositivos eletrónicos (televisão, computadores, smartphones) pelo menos 1 hora antes de deitar e mantê-los fora do quarto. A luminosidade dos aparelhos eletrónicos afeta a libertação de melatonina. Para além disso, o próprio conteúdo das atividades tecnológicas é muitas vezes estimulante o que atrasa o início do sono.
A Associação Americana de Pediatria reporta que 25-50% das crianças e até 40% dos adolescentes tenham problemas de sono (Insónia, hipersonolência, parassónias, etc). Muitas das preocupações dos pais em relação ao sono dos filhos prendem-se com resistência em ir para a cama, dificuldade em adormecer, despertares noturnos, terrores noturnos e pesadelos, movimentos ou falar durante o sono. Se estas ou outras dificuldades do sono do seu filho o preocupam, não são ocasionais, têm impacto no bem-estar da criança ou da família ou estão associados a outros sintomas (tristeza, medos, alterações do comportamento, etc) procure ajuda de um profissional de saúde mental infanto-juvenil.
Susana Santos
Pedopsiquiatra