Na pressa dos dias, numa sociedade marcadamente tecnológica onde as notificações nos ecrãs não param, na acumulação e sobrecarga de tarefas, as emoções — essas — ficam muitas vezes por processar. Entre o que sentimos e o que conseguimos dizer, há um hiato, muitas vezes negligenciado e que merece atenção e essa atenção pode ser disponibilizada com recurso a uma ferramenta simples, porém poderosa: escrever.
Hoje quero apresentar-vos o journaling, ou, em português, a escrita reflexiva/expressiva — uma prática cada vez mais estudada pela psicologia e recomendada por muitos profissionais de saúde mental. Já ouviram falar? É uma ferramenta baseada na ciência acessível a cada um de nós. Sabemos que pode ajudar a mudar a forma como lidamos com o nosso mundo interior, se praticada com regularidade, intencionalidade e foco, criando momentos de autocuidado, desenvolvimento pessoal e autoconhecimento.
Então, o que é o journaling?
Journaling é o ato de escrever, com regularidade, sobre os nossos pensamentos, emoções, experiências ou objetivos. É sobre criar um espaço seguro onde os pensamentos e as emoções ganham expressão, clareza, atenção e organização.
É uma ferramenta terapêutica com suporte empírico robusto e aplicação crescente em contextos clínicos, educacionais e organizacionais.
Pode ser feito num caderno, num ficheiro digital ou até numa aplicação. É um convite para parar, refletir e dar forma às emoções através das palavras.
Esta prática pode assumir diferentes formas, como sejam:
- Journaling expressivo: escrever livremente sobre o que se sente.
- Journaling de gratidão: registar diariamente aquilo por que estamos gratos.
- Journaling orientado por perguntas: responder a questões como “O que me está a preocupar?” ou “O que aprendi hoje?”
- Journaling com metas: focado em objetivos, hábitos e desenvolvimento pessoal.
O que nos diz então a ciência sobre o journaling?
A psicologia tem vindo a interessar-se e a considerar os benefícios do journaling desde os anos 80. Um dos nomes mais conhecidos nesta área é o do psicólogo James Pennebaker, que demonstrou em diversos estudos que escrever sobre experiências emocionais difíceis durante apenas 15 a 20 minutos por dia, durante 3 a 4 dias consecutivos, pode melhorar significativamente a saúde física e psicológica.
Benefícios:
- Redução de sintomas de ansiedade e depressão;
- Melhoria do sono;
- Diminuição de sintomas físicos relacionados com o stress (como tensão muscular ou dores de cabeça);
- Melhoria do sistema imunitário;
- Aumento da clareza mental e capacidade de resolução de problemas;
- Melhoria da autoestima e do autoconhecimento;
- Processos de luto;
- Autorregulação emocional;
- Apoio a doentes oncológicos;
- Contextos de trauma.
Evidências…
A escrita obriga-nos a organizar o caos interno. Identificar e nomear emoções, é um primeiro passo para as regular. Transformar pensamentos em linguagem confere distanciamento emocional ao permitir olhar para o problema, coloca-lo em perspetiva em vez de ficar preso nele. E quando escrevemos, organizamos ideias, sentimentos e emoções.
Além disso, o journaling ativa áreas do cérebro relacionadas com a autorregulação e o pensamento reflexivo.
Em suma, escrever ajuda-nos a conhecermo-nos melhor, tomada de consciência, a processar pensamentos e emoções, a compreender, aceitar e a tomar decisões.
Mas então… como começar?
Não precisa de ser escritor nem ser um expert na escrita, nem de um caderno com frases orientadoras. Comece com o que tem — um caderno velho, um documento Word, uma aplicação no telemóvel. Não obstante há imensos recursos físicos (pequenos cadernos e livros) de fácil acesso que podem ser inspiradores! Uma breve pesquisa em alguns sites, orientada por desafios de journaling, ex no Pinterest – permitir-lhe-á encontrar uma oferta variada com perguntas para ir respondendo ao longo dos dias.
O importante é criar o hábito e permitir-se escrever com autenticidade.
Algumas sugestões:
- Reserve 10 a 15 minutos por dia.
- Escreva sem crítica — não se preocupe com gramática, ortografia ou estilo.
- Pode começar com frases simples como:
- “Hoje estou a sentir-me…”
- “O que mais me marcou hoje foi…”
- “Neste momento estou a sentir…”
- “Os meus pensamentos, hoje”…
- Ou então escreva livremente, sem guião.
- Se não souber o que escrever, escreva sobre isso mesmo!!
É importante lembrar que o journaling não substitui apoio psicológico profissional, sobretudo em casos de sofrimento intenso, trauma ou perturbação emocional prolongada.
Pode ser um complemento valioso a um processo terapêutico.
Em certos casos, como por exemplo em pessoas com pensamentos muito ruminativos, obsessivos e/ou depressivos, o journaling pode precisar de alguma orientação terapêutica para não reforçar padrões negativos. Escrever como forma de cuidar, de se escutar– esta é a ideia principal.
O journaling é uma forma de pausa para ouvir o que muitas vezes silenciamos dentro de nós. O ato de escrever cuida, organiza, e possibilita pôr o pensamento no aqui e agora ao colocar o coração e a mente no papel, através de palavras…Não é demais reiterar estes benefícios.
Se se sente sobrecarregado, perdido ou simplesmente à procura de mais clareza interior, talvez seja tempo de pegar numa caneta. Não para escrever uma narrativa perfeita ou bonita ou idealizada… Mas para começar a escrever a sua história — com presença, verdade e consciência, respeitando o que vem de dentro, o que ecoa na sua cabeça – os pensamentos e emoções.
Já se escutou hoje? Já olhou para dentro de si? Que emoções, pensamentos pode traduzir em palavras?
Talvez seja hoje um dia bom para começar!!
Vá, vamos lá! Pegue num lápis e/ou caneta e num pequeno caderno e deixe os seus pensamentos ganhar expressão e forma sob a forma de linguagem escrita.


