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Nesting ou birdnesting em contexto de divórcio – já ouviu falar? Sabe do que estamos a falar? Se está a passar por um processo de divórcio com filhos, este tema poderá interessar-lhe!!

 

O divórcio é um acontecimento que ocorre no ciclo de vida da família, traduzindo-se em mudanças, ruturas e perdas significativas na relação entre ambos os elementos do casal, na família nuclear e família alargada, por norma. É um evento de vida potencialmente desafiante, difícil e exigente, particularmente, do ponto de vista emocional, que pode ter consequências negativas para a saúde psicológica e o bem-estar, gerando emoções intensas e desgastantes como dor, raiva, medo, ansiedade, frustração, tristeza, solidão…  O divórcio pode traduzir-se assim num território cuja travessia se pode revelar árdua e dolorosa.

Quando alguém se casa, espera e deseja que o casamento resulte e que seja como na canção – para a vida toda! Não obstante, os dados estatísticos mostram que nem sempre “o foram felizes para a vida toda” acontece a dois, no seio da união/casamento/relação. Efetivamente, em 2020, em Portugal, o rácio de divórcios por 100 casamentos foi de 91,5% (PORDATA, 2021).

Quando há filhos no casamento, este processo pode ainda revelar-se mais difícil face à necessidade de garantir o bem-estar dos filhos, para além do bem-estar individual, numa potencial montanha russa de emoções, como referimos. Torna-se necessário reorganizar a relação connosco (plano individual), com o ex-parceiro e os com os filhos de ambos, bem como lidar e resolver um conjunto de tarefas emergentes. Uma das tarefas envolvidas é a regulação das responsabilidades parentais que deverá ser pautada pelo bom senso, sentido de proteção e segurança, disponibilidade emocional e física para com os filhos.

Vamos então, falar de birdnesting!!  O que sabe sobre esta opção?

  1. Evolução legislativa das responsabilidades parentais

Desde 1999, com a Lei n.º 59/99, a guarda conjunta passou a ser valorizada no Código Civil (art. 1906.º), assumindo prioridade sobre a guarda exclusiva em caso de acordo dos pais. Em 2008, com a Lei n.º 61/2008, o código substituiu “poder paternal” por “responsabilidades parentais” e estabeleceu como regra o exercício conjunto dessas responsabilidades.

A reforma de 2020 (Lei n.º 65/2020) introduziu no Código Civil a expressão “residência alternada” (n.º 6 do art. 1906.º), permitindo ao tribunal fixar esse regime sem necessidade de acordo mútuo, desde que seja o melhor para a criança.

Assim, o ordenamento jurídico português evoluiu de uma postura centralizada num progenitor para uma abordagem que:

  1. Privilegia responsabilidades parentais partilhadas;
  2. Reconhece a residência alternada como modelo permitido e até preferencial;
  3. Exige que a definição das responsabilidades parentais seja fundamentada com base no interesse superior da criança.
  1. O que o Código Civil recomenda para garantir boas praticas do modelo:

1) O art. 1906.º estabelece que a residência e os direitos de visita devem ser fixados segundo o interesse da criança, considerando todas as circunstâncias relevantes, incluindo o acordo dos pais e a disponibilidade de cada progenitor

2) A jurisprudência confirma que, mesmo sem consenso, o tribunal pode impor residência alternada se considerar que isso promove uma “relação de grande proximidade” entre a criança e ambos os pais – considerar a especificidade e as particularidades de cada caso.  Nesta proposta poderá encaixar-se o birdnesting. Vamos de seguida explicar em que consiste, avaliando as vantagens e desvantagens para todos os elementos envolvidos.

O birdnesting no contexto legal  – O que é o birdnesting?

O birdnesting é comparado à nidificação dos pássaros; nidificar significa construir um ninho, e à semelhança dos pássaros que constroem os seus ninhos e alternadamente entram e saem (do ninho) para cuidar dos seus filhos, alimentando, protegendo e ensinando a voar. Esta analogia aplica-se da mesma forma – as crianças mantêm-se na casa morada de família, enquanto os pais se revezam semanalmente, saindo de casa quando não estão com os filhos (alternando semana a semana).

O birdnesting corresponde assim a uma prática que cabe no modelo da residência alternada, onde:

  • A criança permanece na casa da família fixa;
  • Os pais alternam-se na casa como se fosse uma residência temporária;
  • O foco está na estabilidade da criança, reduzindo rotinas de mudança entre residências, evitando que esta esteja permanentemente “em trânsito” e os relatos frequentes relativos aos desafios logísticos associados (alunos a esquecerem materiais escolares, brinquedos e roupa, tarefas e trabalhos escolares, entre outros);
  • Quando não estão com os filhos, os pais vivem noutro local (sozinhos, com família, amigos e/ou num espaço arrendado).

O Código Civil e a jurisprudência, ao permitirem a residência alternada como solução, oferecem espaço legal para o birdnesting, desde que se demonstre que:

  • É do interesse superior da criança,
  • coordenação, comunicação e entendimento entre os pais nesta proposta;
  • Se estabelecem regras claras para decisões e logística;

 

  1. Vantagens, desvantagens e operacionalização do modelo

Vantagens:

  • Estabilidade emocional: evita o “movimento” constante da criança que pode assim manter as amizades, a escola e contextos, ao privilegiar a rotina conhecida e a estabilidade no ambiente físico familiar; particularmente adequado em famílias numerosas, uma vez que os espaços já estão organizados;
  • Compromisso parental partilhado: ambos os progenitores participam ativamente na vida da criança;
  • Estabilidade para os filhos: as crianças mantêm o mesmo contexto físico – quarto, escola e vizinhança, comunidade.
  • Maior cooperação/colaboração parental: pode incentivar os pais a colaborarem mais e a manterem uma comunicação saudável, fatores que podem promover uma melhor resolução do processo de divórcio, do ponto de vista emocional, responsabilizando-se pelo ato de cuidar dos filhos, e do ser família para lá do divórcio (atender à especificidade de cada caso);

Desvantagens:

  1. Envolve cooperação entre os pais: pode ser difícil manter regras consistentes, logística e comunicação eficaz (sobretudo em situações de conflito aberto, latente e de difícil resolução);
  2. Custo financeiro elevado: manter a morada de família e outro local de residência poderá não ser viável em todas as situações e famílias;
  3. Intimidade e privacidade reduzidas: partilhar uma casa (mesmo em turnos) com o/a ex-cônjuge pode ser emocionalmente desgastante; por esse motivo recomenda-se esta opção como solução temporária, e particularmente com filhos pequenos, idade escolar; ainda, na emergência de novas relações, acrescem dificuldades significativas nas regras de convivência e estas terão que ser acordadas e clarificadas – o que é, potencialmente difícil quando se está a sair de uma relação e a fazer o luto da perda do parceiro e da família nuclear;
  4. Adiamento do processo de separação emocional: se não houver fronteiras claras, pode dificultar o processo de luto e a resolução da relação; importa manter clara a decisão sobre o que o ex-casal pretende para todos os elementos envolvidos.

 

 Do ponto de vista do direito:

  1. Acordo sobre responsabilidades parentais: residência alternada;
  2. Disponibilidade de cada progenitor para efetivar esta opção;
  3. Suporte e fundamentação legal que vá de encontro ao superior interesse da criança; decisões partilhadas, consensuais e que priorizem a criança.

 

  1. Conclusão

Em Portugal, o birdnesting aparece como uma evolução natural dos modelos de guarda e residência alternada, alinhados com o princípio do interesse superior da criança e o reconhecimento progressivo da guarda partilhada. A evolução jurídica, reforçada pela jurisprudência, legitima e confere suporte a esta abordagem.

Em suma, o birdnesting é uma resposta juridicamente fundamentada e que considera os desafios atuais do divórcio em contexto português, não obstante, não se constituir como uma resposta para todas as famílias. Com efeito, e como descrevemos, o birdnesting coloca desafios significativos aos elementos do ex-casal, mas pode ser uma ótima opção numa fase inicial do processo de divórcio e de reorganização do novo modelo de família (curto e médio prazo), que prioriza acima de tudo o bem-estar dos filhos! Não são conhecidos estudos específicos sobre esta resposta, mas sabemos que os estudos e a literatura suportam a procura de respostas psicossociais que atendam ao bem-estar da criança (superior interesse da criança) e ao papel ativo de cada progenitor na vida da criança; o birdnesting é uma solução que poderá, em tempo limitado, servir às famílias, em determinadas condições especificas, como enumeramos.

Se considerar oportuno fale com um psicólogo/a para melhor compreender e o ajudar a mediar o seu processo de divórcio e se ficou sensível a esta opção.

Lembre-se um psicólogo/a pode ajudar!!

 

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