A Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), é uma perturbação do neurodesenvolvimento, caracterizada por um défice em áreas como a interação social, a comunicação e o comportamento. A Síndrome de Asperger é considerada uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) com expressão mais ligeira. É de notar que na última revisão do manual de diagnóstico (DSM-5, 2013), a designação síndrome de Asperger desapareceu como diagnóstico. No entanto, utilizar este conceito continua a fazer sentido.
A intervenção na Síndrome de Asperger engloba várias valências (nomeadamente a Psicologia, a Terapia da Fala, a Terapia Ocupacional, a Psicomotricidade, a Hidroterapia, a Terapia Assistida por Animais, a Musicoterapia, entre outras) consoante a necessidade de cada caso.
• O papel da Psicologia na intervenção:
Os psicólogos desempenham um papel importante no diagnóstico de PEA e na sua intervenção, nomeadamente em ajudar a lidar e a gerenciar os desafios associados ao autismo.
A intervenção em Psicologia foca-se na aprendizagem de competências que permitam minorar os défices da PEA e a sintomatologia psicopatológica que possa estar associada. Para alcançar estes objetivos utilizam-se estratégias como a psicoeducação, a regulação emocional e comportamental, os treinos de competências sociais e cognitivas e, a estimulação da autonomia pessoal e social. A psicologia intervém ao nível da identificação e gestão de emoções, da interpretação de situações sociais, da resolução de problemas e ajuste do comportamento aos contextos, da flexibilidade cognitiva, da linguagem não verbal, da diversificação de interesses e de competências de jogo e imaginação, entre outros.
A intervenção psicológica com crianças é realizada principalmente com recurso ao brincar, aos jogos e atividades práticas, às tecnologias e role-play. Na adolescência os grupos terapêuticos podem ser benéficos em alguns casos.
O suporte da Psicologia estende-se muitas vezes a outros contextos de forma a promover a adaptação e participação da criança (p.ex: na escola, família…).
A Psicologia tem um papel muito importante ao nível do apoio às famílias, cooperando na compreensão do diagnóstico, das características e respetivas consequências no quotidiano nos diferentes contextos de vida da criança/adolescente ou adulto. Esta intervenção psicológica permite ajustar as práticas parentais, apoiando ainda na estruturação de estratégias ajustadas a cada criança. No contexto escolar é realizado um trabalho de articulação com a comunidade educativa para avaliar as características, estratégias e dificuldades e ajustar as medidas educativas. Este trabalho de equipa permite potenciar as aprendizagens num ambiente mais ajustado ao perfil da criança/adolescente, reduzindo o nível de ansiedade e frustração.
• O papel da Terapia da Fala na intervenção:
O Terapeuta da Fala pode ter várias áreas de intervenção na Síndrome de Asperger. Assim, pode ter objetivos quer na Linguagem quer na Comunicação. Nas competências comunicativas, deve-se criar estímulos consistentes que facilitem o desenvolvimento da intencionalidade comunicativa e da comunicação verbal e não-verbal, promover competências que melhorem a eficácia comunicativa e diminuam as dificuldades a nível de interação social e melhorar a compreensão acerca do outro (expressões faciais, tom de voz, piadas e sarcasmo, tópicos de conversação, conceitos abstratos).
Enquanto nas competências linguísticas, deve-se desenvolver o que é necessário para iniciar e manter uma conversa, bem como melhorar a compreensão do que é abstrato e concreto. Ao mesmo tempo, deve ser sempre tido em atenção o desenvolvimento das áreas da Linguagem de forma a promover um desenvolvimento típico das mesmas. Contudo, existe uma área com especial foco que é a Pragmática, onde se promove formas adequadas de iniciar uma conversa, saber pedir esclarecimentos, como agir no surgimento de dúvidas, de forma a melhorar a interação e competências sociais.
Algumas características típicas:
• Ligeiro atraso na aquisição e uso da fala;
• Contato visual reduzido;
• Discurso pouco coeso;
• Dificuldades em iniciar e manter o tópico na conversação;
• Discurso com ecolálias;
• Escassa aplicação de pronomes pessoais (usar o nome próprio em vez de eu ou tu);
• Alterações de prosódia, como altura tonal e velocidade do discurso exagerada e entoação desadequada;
• Vocabulário fluente e avançado, na escolha de palavras invulgares e o discurso formal;
• Alterações na compreensão (especialmente de formas não-verbais como expressões faciais ou expressões abstratas);
• Expressar os seus sentimentos e pensamentos;
• Lacunas no uso e compreensão de gestos sociais;
• Dificuldade a entender o significado de piadas, sarcasmo e expressões sociais como ditados populares;
O papel da Terapia Ocupacional na intervenção
A terapia ocupacional tem como objetivo promover a saúde e a participação da pessoa ao longo da vida através do envolvimento em ocupações. O contributo da Terapia Ocupacional traduz-se na aplicação de valores essenciais, conhecimentos e competências que facilitem o envolvimento dos utentes em atividades diárias ou ocupações que queiram e necessitem de realizar de forma a promover a saúde e a participação. Todas as áreas do dia-a-dia da pessoa interagem de forma a influenciar o envolvimento do utente em ocupações, participação e saúde.
Os Terapeutas Ocupacionais avaliam todas estas componentes e de que forma se relacionam e aplicam estes conhecimentos no processo de intervenção no sentido de promover saúde e participação dos seus utentes.
Nos casos de Síndrome de Asperger tem-se mostrado uma forma eficaz de intervenção a Terapia Ocupacional com a especialização em Integração sensorial. A integração sensorial é a organização das sensações para o uso. Integração é o que transforma as sensações em perceção. Ou seja, como compreendemos o nosso corpo, o das outras pessoas e objetos porque o nosso cérebro integrou os impulsos sensoriais em formas e relações significativas.
A integração sensorial tem como objetivo melhorar a capacidade de processar e integrar uma sensação como base para potenciar uma participação nas atividades diárias de sucesso. Este modo de intervenção é caracterizado por um conjunto de princípios que guiam a teoria e a implementação. Os princípios envolvem a participação ativa da criança em atividades sensório-motoras, adaptadas a cada criança e num contexto seguro que é guiado pelo Terapeuta Ocupacional que estabelece com a criança uma relação terapêutica de confiança. Para alem disto, gradua o desenvolvimento do brincar consoante a criança em intervenção através de respostas adaptativas.
As alterações sensoriais afetam a participação da criança nas atividades de vida diária. Quando a criança tem dificuldade em processar e integrar a sensação tal afeta a sua participação nas atividades do brincar, nos passeios em família e todas as competências necessárias diariamente, como vestir-se.
Resumindo, a integração sensorial…
• É um processo inconsciente do cérebro (acontece de forma involuntária, como por exemplo o respirar);
• Organiza a informação detetada por um sentido (paladar, visão, audição, toque, cheiro, movimento, gravidade e posição);
• Dá significado ao que é experienciado passando todas as informações e selecionando no que devemos focar (como por exemplo, ouvir a professora e ignorar todo o barulho fora da sala);
• Permite-nos agir ou responder a uma situação que estamos a experienciar de forma adequada (também conhecido como resposta adaptativa);
• Cria bases fundamentais para aprendizagens académicas e participação social.
É importante salientar que a Perturbação do Espetro do Autismo manifesta-se de forma diferente em cada pessoa, existindo também diferentes graus, que se definem através do nível de funcionalidade. Neste sentido é essencial avaliar e definir quais as características e défices que necessitam de intervenção, devendo a mesma ser especializada de forma a se ajustar às especificidades da perturbação.
Ana Lopes – Psicóloga Clínica e da Saúde
Diana Fernandes – Terapeuta Ocupacional
Joana Lucas – Terapeuta da Fala
Núcleo das Perturbações do Espetro do Autismo e Défices Cognitivos