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“Ouvir um som significa analisar um evento fisiológico distribuído no tempo e, para que esse processo ocorra na sua perfeição, precisamos de ter uma audição capaz de detetar, discriminar, reconhecer e compreender toda a informação auditiva” (Erber, 1982). Assim, não basta que o nosso ouvido consiga captar o som, é preciso que o nosso cérebro seja capaz de processar toda a informação auditiva para que sejamos capazes de compreender a mensagem. A isto chamamos de Processamento Auditivo Central, aos processos cognitivos envolvidos na análise do sinal acústico para a sua descodificação.
A informação acústica é captada pelo sistema auditivo periférico, seguindo pelas vias neurológicas do sistema nervoso central até o córtex auditivo. Ao longo deste trajeto, os vários pontos da via auditiva central vão processando o sinal nos diferentes parâmetros acústicos, permitindo a deteção, discriminação, localização, identificação, reconhecimento em ambiente com ruído de fundo, e por fim, a interpretação desse estímulo acústico (Yalçinkaya & Keith, 2008).
Assim, numa Perturbação do Processamento Auditivo detetam-​se dificuldades, de origem central (córtex auditivo), na realização de atividades auditivas, nomeadamente: localização e lateralização sonora, discriminação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos, perceção de aspetos temporais da audição, desempenho auditivo na presença de ruídos competitivos ou com sinal acústico degradado (American Academy of Audiology, 1996).

Sinais, Sintomas e Causas
Queixas relacionadas com dificuldades de audição ou comportamentos típicos de quem não está a ouvir bem são muito comuns e surgem em pessoas de qualquer idade.
Em sala de aula este comportamento é observado nas crianças em pequenos momentos de distração, na necessidade de repetição de informação, nas trocas de sons durante a fala por falhas na discriminação auditiva, na dificuldade em memorizar uma informação, nomeadamente as instruções das tarefas e até em perceber a coesão de uma mensagem pela troca de duas palavras auditivamente semelhantes (Heyman, 2020). Tudo isto poderá afetar o desempenho académico da criança, pelas características do seu perfil auditivo. Por outro lado, poderão existir implicações em termos sociais, pelas dificuldades em compreender os amigos quando estão em grupo ou numa festa e pelas dificuldades em suportar ambientes muito ruidosos ou música alta, devido à sensibilidade auditiva.
Assim, os sinais e sintomas podem variar e ter diferentes formas de manifestação de acordo com a idade e gravidade da perturbação, sendo os mais comuns nas crianças:
• Parecer não ouvir/​entender bem, diz muitas vezes “Ah? O quê?” e/​ou pede para repetirem a informação.
• Dificuldades em compreender o que é dito em ambientes ruidosos ou em grande grupo (várias pessoas a falarem ao mesmo tempo).
• Manifestar incómodo com sons intensos (foguetes, aspirador, música alta..).
• Dificuldades em localizar a origem do som.
• Tendência para colocar o volume da televisão muito alto.
• Atraso na aquisição da fala, sobretudo no “r” (brando) e “l”.
• Dificuldades em memorizar recados ou informações mais longas e em seguir instruções ou uma sequência de tarefas.
• Dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento.
• Distração e desatenção, parece que está “no mundo da lua”
• Troca de letras na escrita e leitura pouco fluente.
• Dificuldades com músicas e rimas.

Muitas das dificuldades acima referidas são comuns noutros diagnósticos, como é o caso da hiperatividade com défice de atenção e as dificuldades de aprendizagem, entre outros. Deste modo, é extremamente importante descartar as alterações a nível auditivo para que não haja dificuldade em estabelecer diagnósticos. Sendo que uma Perturbação de Processamento Auditivo pode coexistir com outros diagnósticos.
As perturbações no processamento auditivo não são exclusivas das crianças, os adultos também podem apresentar alterações das competências auditivas. Nestes é comum a confusão entre palavras semelhantes, confusão e problemas em acompanhar conversas, sobretudo se houver várias pessoas a falar ao mesmo tempo e barulho de fundo.
As causas podem ser muito variadas e nem sempre é possível determinar a origem do problema. As mais comuns são:
• Problemas de origem genética;
• Intercorrências durante a gestação, durante ou após o nascimento;
• Otites médias crónicas ou muito frequentes.
• Problemas na neuromaturação do sistema auditivo.
• Lesões cerebrais por anóxia ou traumatismo craniano.
• Envelhecimento natural do cérebro.
(Yalçinkaya Keith, 2008)

Avaliação e Tratamento
Em Portugal, os exames clínicos auditivos, geralmente, não contemplam a avaliação do Processamento Auditivo Central, analisam, sobretudo, as condições anatomofisiológicas do aparelho auditivo, assim como a chegada ou não do sinal acústico ao SNC (audiograma). Deste modo, não são detetadas alterações de Processamento Auditivo Central, já que estas não pressupõem a existência de uma perda de audição (periférica).
Muitas vezes, para se obter um diagnóstico de Perturbação de Processamento Auditivo Central é necessário envolver uma equipa multidisciplinar com profissionais de diferentes áreas: como o terapeuta da fala, o professor, o psicólogo, o audiologista, o otorrinolaringologista, o neurologista e o pedopsiquiatra, entre outros, para que possa haver uma avaliação complementar.
A avaliação específica do processamento auditivo é realizada por um audiologista com formação específica nesta área, em são realizados vários testes em cabine acústica em ambiente controlado. Poderá ser realizado um rastreio nesta área, em que são aplicadas provas simples, por um profissional da área com formação para tal. Este permite orientar a família sobre a necessidade de uma avaliação mais aprofundada.
Após a avaliação especifica e diagnóstico, a intervenção passa pelo Treino Auditivo por um profissional, como o terapeuta da fala, com formação especifica na área. Este consiste num conjunto de exercícios e estratégias para o desenvolvimento das competências auditivas alteradas, possível graças à plasticidade neuronal. A nossa plasticidade só termina quando morremos, portanto, reabilitar auditivamente uma pessoa é sempre uma tarefa que pode e deve ser tentada em qualquer idade (Nunes, 2015).

Fátima Correia
Terapeuta da Fala, Instituto de Desenvolvimento

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