A dislexia consiste numa “dificuldade de aprendizagem específica de origem neurológica. É caracterizada por uma dificuldade na correção e/ou fluência na leitura de palavras e fraca competência ortográfica. Estas dificuldades resultam de um défice na componente fonológica da linguagem, que é inesperada em relação às outras competências cognitivas e às condições educativas proporcionadas. Secundariamente podem surgir dificuldades a nível da compreensão da leitura, uma reduzida experiência leitora, o que pode condicionar o desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos gerais. Os estudos demonstram que as crianças com dislexia processam a informação em áreas diferentes do cérebro comparativamente com os indivíduos sem dislexia” (Lyon, Shaywitz, & Shaywitz, 2003; National Institute of Child Health and Human Development, 2002; The Internacional Dyslexia Association, 2002).
O Instituto do Desenvolvimento possui uma equipa multidisciplinar que aborda de diferentes ângulos esta perturbação: psicólogos, professores da educação especial e terapeutas da fala. Estes profissionais estão integrados no Núcleo das Dificuldades de Aprendizagem Específicas. Os diferentes casos são avaliados pela equipa nas reuniões de núcleo, com vista a obter uma abordagem integrada que gere respostas minuciosamente desenhadas para cada caso.
Papel do Psicólogo
O psicólogo realiza a avaliação psicopedagógica, com testes estandardizados e adequados a cada faixa etária. Após a avaliação psicopedagógica, o psicólogo define estratégias de intervenção (com o aluno, pais e professores), encaminhando para serviços de apoio (e.g., terapia da fala). Articula também com as escolas no sentido da necessidade destas crianças usufruírem de medidas educativas especiais ao abrigo do decreto-lei 3⁄2008. Para além da avaliação, o psicólogo é determinante na intervenção ao nível das funções neuropsicológicas envolvidas (memória, perceção, lateralidade, psicomotricidade…), bem como nas áreas funcionais da leitura e da escrita e ainda promover a aceitação e compreensão da problemática tanto ao nível da criança (promovendo a estabilidade emocional) como ao nível da família e comunidade escolar (inclusão social e escolar).
Avaliação:
O psicólogo realiza a avaliação psicológica e psicopedagógica com recurso a provas quantitativas e qualitativas. O processo avaliativo tem início com uma avaliação cognitiva, passando para uma avaliação neuropsicológica e finalmente psicopedagógica. Após análise e interpretação dos resultados, e obtendo-se o diagnóstico de dislexia, o psicólogo, em conjunto com a restante equipa multidisciplinar mapeia as estratégias de intervenção adequadas a cada criança.
Intervenção:
A intervenção pode ser direta e/ou indireta (na definição de estratégias a serem implementadas pelos pais e professores).
A intervenção psicopedagógica foca-se na estimulação neuropsicológica das áreas em défice (e.g., memória auditiva, perceção) e treino das competências psicopedagógicas: consciência fonológica, velocidade, acuidade e compreensão leitora, desenvolvimento do vocabulário, desenvolvido de estratégias metacognitivas, treino da autorregulação da escrita.
Por vezes existem problemas emocionais associados a esta perturbação. A frustração causada pelo esforço sem êxito provocam sentimentos que podem resultar em casos de ansiedade, depressão, baixa motivação, insegurança, enurese noturna, problemas de comportamento. Nestes casos, o psicólogo intervém ao nível do quadro emocional, promovendo a recuperação da autoestima e autoeficácia, tão importantes para a aprendizagem.
Papel do Professor de Educação Especial
O Professor de Educação Especial é um elemento integrante da equipa multidisciplinar que procede à avaliação especializada da criança, após a sua referenciação perante as dificuldades académicas apresentadas.
O professor de Educação Especial, enquanto técnico especializado, deve não só prestar apoio direto aos alunos, mas sobretudo realizar um apoio indireto, que passará por cooperar com todos os intervenientes (pais, professores, terapeutas…) envolvidos no processo educativo da criança.
É fundamental o papel do professor de educação especial na reeducação da criança disléxica. O docente recorre à compreensão e ao conhecimento dos métodos fónicos, à capacidade de fazer ler e discutir vários géneros de textos, assim como várias técnicas como a leitura partilhada ou orientada. Ainda, no que respeita ao papel do professor de educação especial que intervém com crianças com dislexia, é importante que o docente promova atitudes positivas relativamente à aprendizagem da leitura, baseando o seu trabalho numa relação compreensiva e estimulante, para além da necessidade de possuir conhecimento dos métodos de ensino da leitura e da capacidade para organizar, adaptar ou criar materiais.
Importa ainda enquadrar a função do docente de Educação Especial na aplicação das medidas educativas ao abrigo do Decreto-Lei 3⁄2008 de 7 de Janeiro, cujo objetivo é adequar o processo de ensino e de aprendizagem de forma a promover a aprendizagem e participação dos alunos. Sendo que uma das medidas possíveis de se aplicar é o apoio pedagógico personalizado, visado no artº 17.º:
a) O reforço das estratégias utilizadas no grupo ou turma aos níveis da organização, do espaço e das atividades;
b) O estímulo e reforço das competências e aptidões envolvidas na aprendizagem;
c) A antecipação e reforço da aprendizagem de conteúdos lecionados no seio do grupo ou turma;
d) O reforço e desenvolvimento de competências específicas.
Note-se que das estratégias mencionadas anteriormente apenas a última é da competência do docente de Educação Especial. Como tal as horas de apoio destinadas à reeducação de alunos com dislexia têm implícito que o docente realize com a criança um trabalho específico e especializado. Em suma, as intervenções com crianças identificadas (ou sinalizadas) com dislexia devem ter em consideração: a idade em que ocorre a identificação, a intensidade, a frequência e o conteúdo da instrução, a monitorização constante e a articulação entre os intervenientes.
Papel do Terapeuta da Fala
Na dislexia há um comprometimento na linguagem que afeta a forma como o cérebro codifica as características fonológicas das palavras faladas. Caracteriza-se por alterações da descodificação das palavras, refletindo um processamento fonológico insuficiente e em desacordo com a idade e/ou capacidades cognitivas.
Neste âmbito, o Terapeuta da Fala irá avaliar não apenas as diferentes áreas da linguagem, incluindo a semântica, a morfossintaxe e a fonologia, mas também analisar a fala em discurso espontâneo, assim como a leitura e a escrita.
A linguagem na sua modalidade escrita, será um dos focos de atenção, na medida em que trocas frequentes entre letras como o “f/v”, o “ch/x” e o “j” poderão ter na base uma dificuldade de discriminação auditiva. Nestes casos, a criança pode, eventualmente, articular de forma correta os fonemas, contudo, poderá não ter consciência das diferenças subtis entre estes, dificultando o processo de passagem para a escrita. Também se podem observar outros erros de cariz metalinguístico, como o juntar ou separar palavras.
A competência ao nível do processamento fonológico poderá ser preditora na aquisição das competências da leitura. Os jogos de palavras, os trocadilhos e os duplos sentidos, são bons exemplos de uma capacidade que requer a manipulação consciente da língua, fora do contexto comunicativo, e é servida por processos cognitivos de nível superior. As modalidades mais elementares da consciência fonológica abrangem sensibilidade às sílabas, rimas e segmentação em sons, e podem desenvolver-se de forma espontânea, ao longo dos anos pré-escolares.
Embora algumas crianças possam adquirir essa consciência de forma espontânea, a grande maioria necessita que o adulto lhe chame a atenção, para as pequenas unidades de fala: os fonemas. Dada a complexidade que envolve esta prática, os terapeutas da fala desempenham um papel importante na prevenção, avaliação e intervenção em crianças que, devido a um problema de linguagem ou a um fraco domínio desta, apresentam posteriormente, dificuldades na aquisição da leitura/escrita. Para além do trabalho de estimulação fonológico, o terapeuta da fala intervém noutros aspetos linguísticos, pois estas crianças necessitam de capacidades em todos os domínios linguísticos, para aceder aos conceitos semânticos e morfo-sintácticos, que estão implicados na compreensão de textos.