“Cuidar de Quem Cuida”
Os conceitos de saúde e doença e, inevitavelmente, o conceito de cuidar, existem desde o início da humanidade. Apesar das transformações socioculturais vividas ao longo de toda a História, o ato de cuidar mantém-se, na sua essência, inalterado. Isto é, exerce-se fundamentalmente pela família e em contexto domiciliar.
É urgente projetar programas que para além de promoverem a saúde mental e física dos cuidadores, possam acima de tudo tornar-se numa rede idónea e especializada de apoio, bem como um veículo disponível para a literacia em saúde (“Maior literacia em saúde significa mais cuidados com a saúde, maior prevenção de doenças, maior promoção da saúde”. “Quem tem maior literacia em saúde tem assim um potencial acrescido de maior saúde, mais cuidados preventivos, menos hospitalizações, menos mortes prematuras, mais ativação sobre os determinantes da saúde e mais poder de decisão e escolhas acertadas em saúde, porque consegue aceder melhor aos recursos de saúde, compreender melhor e usar melhor os serviços e a informação disponível, melhorando o seu estado biopsicossocial, assim como o de todos os que dele dependem”..) Por Cristina Vaz Almeida, Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
“Cuidar de Quem Cuida”, atender às necessidades do cuidador informal e da sua família, planeando e concretizando ações interventivas:
a) promover a autonomia da díade cuidador-cuidado;
b) facilitar a manutenção ou reabilitação das funções da família e ligações interpessoais;
c) criar estruturas de apoio social e psicológico;
d) permitir a diminuição da sobrecarga física, mental e financeira;
e) incrementar a informação sobre o processo de cuidar/doença. Avaliar o impacto das intervenções dinamizadas na qualidade de vida e bem-estar do cuidador e da sua família.
A interdisciplinaridade é de facto, um ponto crucial em programas de apoio domiciliar a esta população-alvo.
Humanização da assistência, atenção holística e integral à criança/jovem ou idoso e família, orientação e educação dos familiares e comunidade acerca de noções básicas de saúde e de reabilitação, promoção da participação de toda a família no processo de cuidar.
Atendimento Psicológico a cuidadores informais, que pretende minorar o desgaste emocional do cuidador e facilitar o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento face à doença e ao ato de cuidar.
Psicoeducação/informação acerca da doença e formas de tratamento, treino de competências de comunicação (expressar sentimentos positivos e negativos, escuta ativa, assertividade) e técnicas de redução de stress e de resolução de problemas. Um papel mais ativo da família no processo de tratamento e um ambiente mais estruturado e apoiado.
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É de fácil compreensão, a urgência em criar apoios diferenciados no domicílio e, acima de tudo, sempre disponíveis. Só assim, se poderá oferecer ao cuidador competências em saúde, que o capacitem de juízos críticos fundamentados e que o conduzam ao empowerment e à autonomia. Porém, tão necessária quanto a educação para um processo de cuidar expressivo da pessoa cuidada.
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Urgente a intervenção no sentido de ampliar a consciência do cuidador quanto a si próprio, ou seja, como potencial alvo de cuidados
Torna-se assim, essencial, promover a resiliência da família e capacitar o cuidador informal de mecanismos e estratégias individuais, que face às adversidades vividas durante o processo de doença consiga enfrentar, resistir, adaptar e reagir positivamente.
Cuidador Informal
Segundo a literatura, o cuidador é um indivíduo que assume funções de assistência a outra pessoa que, numa situação de doença crónica, deficiência e, ou dependência parcial ou total, de forma transitória ou definitiva, não tem capacidade de desempenhar ações que são necessárias para a sua vida quotidiana de forma autónoma e independente (Oliveira et al., 2007).
O cuidador pode ser diferenciado entre cuidador formal e cuidador informal. A diferença entre os dois verifica-se no facto de que o cuidador formal representa um profissional qualificado e preparado para prestar cuidados integrados numa atividade profissional e remunerada, como por exemplo, os fisioterapeutas, farmacêuticos, enfermeiros, entre outros (Oliveira et al., 2007).
Enquanto o cuidador informal é o indivíduo que tem uma relação próxima com o doente, podendo ser o seu familiar, cônjuge ou amigo (World Health Organization, 2015). Sequeira (2007) refere que os cuidadores informais não são remunerados pelo seu trabalho, ao contrário dos cuidadores formais, e, em geral, têm um percurso profissional que não lhes atribui competências necessárias para prestar cuidados.
Diferenças entre o cuidador formal e o cuidador informal. Segundo o Decreto Legislativo Regional n.º 5/2019/M o cuidador também pode ser considerado como “a pessoa familiar ou terceiro, com laços de afetividade e de proximidade que, fora do âmbito profissional ou formal e não remunerada, cuida de outra pessoa.
CUIDADOR FORMAL
•Profissional qualificado e com experiência.
•É remunerado pela prestação de cuidados.
•Fisioterapeutas, farmacêuticos, enfermeiros, entre outros.
CUIDADOR INFORMAL
•Pessoa sem competência e experiência profissionais para prestação de cuidados.
•Não é remunerado pela prestação de cuidados.
•Familiares, cônjuge, amigos, entre outros preferencialmente no domicílio desta, por se encontrar numa situação de doença crónica, incapacidade, deficiência e/ou dependência, total ou parcial, transitória ou definitiva, ou em situação de fragilidade e necessidade de cuidados, com falta de autonomia para a prática das atividades da vida quotidiana” (Região Autónoma da Madeira – Assembleia Legislativa, 2019).
O cuidador informal pode ser classificado em três níveis: primário, secundário ou terciário.
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O primário representa o indivíduo que assume toda a responsabilidade perante a pessoa cuidada, fornecendo-lhe a maior parte dos cuidados.
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O secundário não tem tanta responsabilidade e presta cuidados ocasionalmente, dando apoio desta maneira ao cuidador informal primário.
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O terciário é o indivíduo que ajuda quando é solicitado, contudo não tem qualquer responsabilidade perante a pessoa cuidada (Grelha, 2009). Na maior parte dos casos, são os familiares, amigos e vizinhos mais próximos que se responsabilizam pelo cuidar do doente, sendo um desafio tanto a nível pessoal, familiar, social, laboral e financeiro (Saraiva, 2011).
Estes cuidadores caracterizam-se por não serem indivíduos profissionalmente treinados para prestar cuidados, não terem qualquer contrato para desempenhar estas funções e, por isso, não serem pagos, realizarem tarefas que incluem apoio emocional e assistência e não terem um limite de tempo para o seu cargo. Devido ao reduzido ou inexistente nível de formação na área de saúde mental, podem ter um nível de LSM baixo ou moderado, podendo afetar a sua capacidade em ajudar o doente (Look & Stone, 2018). Segundo a literatura, verifica-se que a maior parte dos cuidadores informais representam os familiares, como os pais, o cônjuge e/ou os filhos da pessoa cuidada. Verifica-se também que as mulheres participam mais nos cuidados do que os homens (Coelho, 2018; Cunha, 2012; Look & Stone, 2018; Mehrotra et al., 2018). No caso dos cuidadores de pessoas com DMG como esquizofrenia e perturbação bipolar, verifica-se, em geral, a participação dos pais do doente uma vez que este grupo de doenças atingem indivíduos na sua fase de adolescência ou início da fase adulta, pelo que os cuidadores são, em geral, mais velhos que a pessoa cuidada (Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, 2016). A importância e o reconhecimento do papel dos cuidadores informais têm vindo a crescer merecendo a sua atenção e apoio por entidades públicas, pelo que foi criado o Estatuto do Cuidador Informal para melhorar as condições e promover o bem-estar do mesmo. Este define medidas de apoio como formação, subsídio, horas de descanso, gozo de férias e outras medidas específicas (Assembleia da República, 2019). Este estatuto foi aprovado em Portugal no mês de julho de 2019, sendo bastante recente.
De acordo com o Estatuto do Cuidador Informal, cabe ao cuidador informal cumprir os seguintes deveres:
• Ser solidário com a pessoa cuidada e respeitá-la na sua privacidade e intimidade;
• Manter uma relação entre a pessoa cuidada e os profissionais de saúde, comunicando a estes quaisquer tipos de mudanças existentes a nível de saúde ou outros no doente;
• Garantir a alimentação adequada e a administração da medicação sob a orientação do profissional de saúde, tal como a higiene pessoal do doente;
• Acompanhar a pessoa cuidada nas consultas e outros locais, mantendo os familiares assentes relativamente ao estado de saúde e bem-estar do doente;
• Ajudar na aquisição e gestão de equipamentos necessários para o cuidado do doente;
• Promover o exercício físico e estimular o doente a ser sociável e a ser autónomo em determinadas tarefas do seu dia-a-dia (Assembleia da República, 2019).
Relativamente aos direitos, o cuidador informal tem o direito de ter acesso à informação e apoio jurídico, tal como ter informação e formação técnica relativamente a prestação de cuidados e as ajudas técnicas existentes, de modo a minimizar o desgaste resultante das atividades. O cuidador informal também tem o direito de ser apoiado na sua própria saúde, especialmente na saúde física, ser apoiado na prestação dos cuidados pelos profissionais de saúde e instituições/organizações de saúde e também participar no plano de cuidados e ter a palavra quanto às decisões de tratamento do doente, quando o mesmo não puder tomar decisões. Para além destes, também tem o direito para pedir o apoio financeiro e tem direito a gozo de férias e horas de descanso (Assembleia da República, 2019).
Gonçalves (2002) identifica os seguintes fatores de sobrecarga, segundo os cuidadores informais:
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Prestar cuidados de forma contínua e direta, com necessidade de estreita vigilância;
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Desconhecer tecnicamente a forma adequada de desempenhar a tarefa;
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Ser o único cuidador;
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Ter eventuais problemas de saúde;
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Lidar com conflitos familiares e a falta de reconhecimento do esforço;
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Enfrentar dificuldades financeiras e a necessidade de reduzir as atividades sociais e profissionais e abandonar as atividades de lazer.
Santos (2008, p. 137), por seu lado, menciona dificuldades físicas (fadiga e doença), psicológicas (não aceitação da dependência e geração de sentimentos de tristeza, prisão, ambivalência, culpa, solidão), sociais (insatisfação de respostas dos serviços disponíveis, “os custos dos serviços de apoio domiciliário, rejeição por parte do idoso dependente do apoio formal”), financeiras, técnicas (neste caso, o tipo de dependência e o número de dependentes a cargo de um cuidador são dois fatores relevantes), e, por fim, a “falta de condições ao nível habitacional e falta de cooperação da família”.